Correspondências: Carta Onze
“Estimada sogra,
Espero que esta carta possa lhe encontrar bem. Como estão as coisas ai, na casa da tia L*?
Então, acho que a senhora deve ter se admirado que eu tenha lhe enviado esta carta, não é? Se a senhora, for boa observadora, poderá notar no remetente da carta, que eu a enviei já em nossa casa, digo, já da tua própria casa. Sim, já voltamos da lua-de-mel; não se assuste, estamos relativamente bem. É que não podíamos continuar nossa viagem com tudo o que vinha acontecendo, conforme a senhora nos contou no e-mail que enviou para sua filha, minha esposa. E assim que chegamos aqui, procuramos obter informações sobre meu sogro. A primeira pessoa que nos disse algo a respeito dele foi sua vizinha; que assim que nos viu chegar (estávamos ainda retirando as malas do porta-mala), correu em nossa direção para conversar, e perguntar o que estava acontecendo. Sua filha disse a ela umas coisas vagas, e ela respondeu que ficou preocupada pois viu seu ex-marido chegar em sua casa com uma cara horrível: parecia possuído pelo demônio, ela nos disse. Acrescentou ainda, que viu, espantada, seu ex-marido arrombar a porta de sua casa (o que comprovamos com tristeza, assim que chegamos à entrada da casa). Sorte a senhora ter sido prudente e ter ido para a casa de sua irmã; do contrário querida sogra, não quero nem pensar no que poderia acontecer.
Bem, e agora (seja forte), vem a pior parte. Após estes fatos fomos, eu e sua filha, até a casa de seu ex-marido. Encontramos a casa fechada; pelo menos foi assim que pensamos. Decidimos contornar a casa, pelo quintal, para ver se a porta dos fundos também estaria trancada, e ficamos surpresos, pois encontramos seu ex-marido no quintal, com uma arma nas mãos, pronto para tirar a própria vida. Sua filha deu um grande grito de espanto, fazendo com que ele estacasse, por um momento. Rogou a ele que não cometesse aquela loucura, correu até ele e lhe abraçou. Ele mal pode se mexer, surpreso como estava. Depois que ela o soltou, ambos sentaram-se (no chão mesmo). Ele parecia estar dopado por alguma coisa, estava desalentado; enquanto que ela não parava de chorar, mal podendo dizer algo. Ele parecia não ter notado minha presença, até então, pois quando voltou a cabeça para o meu lado e me reconheceu, ergueu-se de imediato e já foi apontando a arma para mim. Nisso, sua filha voltou a gritar de desespero e agarrou no braço do pai, que agora parecia possuído, seus olhos pareciam arder em chamas de ódio. Ele livrou-se dela com um safanão e voltou a apontar arma para o meu lado. Eu então, estava estático, congelado de pavor, não podia se quer respirar. Sua filha vendo que não poderia deter o pai, bem mais forte que ela, tratou de correr até onde eu estava. Infelizmente, assim que ela se pôs a minha frente, estimada sogra, seu ex-marido, sem notar o que ela pretendia, apertou o gatilho, disparando a arma. O barulho do tiro pareceu reverberar em meus ouvidos, foi tudo muito rápido. Oh, céus! Como foi doloroso aquilo! De súbito, eu me vi abraçado com minha querida esposa – com sua filha, sogra querida – sustentando seu corpo; seus olhos estavam vidrados nos meus, pareciam anuviados pela dor.
Eu gritei em desespero minha sogra. E chorei, chorei como nunca. Mal posso me recordar do que ouve a seguir a isso. Lembro-me apenas que me abaixei, ainda abraçado a ela, seu corpo todo banhado em sangue; e lhe estendi no chão, segurando depois, apenas em sua cabeça, lhe alisando os cabelos.
Quando tornei a erguer meus olhos na direção de seu ex-marido, vi a ele alucinado e chocado. Ele também mal podia crer que havia atirado na própria filha. Estava transtornado, puxava seus cabelos com uma força tal, que chegava até a arrancar tufos de cabelo. A loucura parecia ter dominado a ele por completo. Xinguei a ele de demônio; e ele nem me ouvia. Sem pensar direito, ele voltou a levar a arma, que ainda estava em suas mãos, até o ouvido, e por outra vez, acionou o gatilho. A bala estraçalhou com uma boa parte de sua cabeça. Eu pude ver, o exato momento em que a bala estourara seus miolos, lançando no ar, espirros de sangue e do líquido encefálico. Logo após seu corpo tombou ao chão num baque seco. Daí em diante, já não me lembro de nada. Disseram-me, horas depois, que os vizinhos correram em auxílio, chamaram uma ambulância e levaram a eles dois, e também a mim – como um zumbi.
Desculpe se lhe conto estas coisas assim desta forma. Deveria eu, contar-lhe pessoalmente, mas creio que não teria coragem. Não te preocupes (apesar de nada poder ser feito, em relação a seu ex-marido, que falecera na hora), sua querida filha – minha adorada esposa – está fora de risco. Infelizmente, a bala do revólver atingira sua coluna vertebral; ela perdera os movimentos das pernas, nunca mais voltará a andar; mas o que importa, é que está viva.
Segue junto a esta carta, em um outro envelope (que a senhora já deve ter notado), uma outra carta, que seu ex-marido havia escrito para a senhora, e que fora encontrada na casa dele, assim que a polícia revistou a casa.
Sinto-me muito mal com tudo isso, pois sei, que também fui causador de toda esta desgraça. Apesar de tudo, eu tinha uma grande estima por seu ex-marido, que também era meu amigo. Meus mais sinceros e estimados votos de condolências.
e inconformado genro”.
Carta Final>> |