"Assim Falou Bábel".
“Lembra-se daquela noite, Vassili? Para além da janela, os cavalos relinchavam, e os cossacos gritavam. A selvageria da guerra abria as mandíbulas além da janela, e o Rabino Motale Bratslavsky orava junto à parede leste, afundando os dedos amaciados em seu talete. Quando se descerrou a cortina da Arca, vimos, à luz funérea das velas, os rolos da Tora, em capas de veludo púrpura e seda azul. Curvado sobre a Tora, inanimado, resignado, o belo rosto de Elias, o filho do rabino, último dos príncipes da dinastia”.
Assim, Bábel, nos apresenta o jovem Elias, quando de seu primeiro encontro. E enquanto percorria a Rússia, de trem, esta monstruosa e inconcebível Rússia, que – utilizando de suas palavras – pisoteava com sapatos de líber aos desgraçados da guerra, que como uma multidão de percevejos, assolados pelo tifo e carregando o costumeiro peso da morte, se amontoavam dos dois lados da linha férrea, mendigando migalhas dos soldados. Pois, dentre estes, Babel logo reconhece Elias, o filho do rabino.
Com o coração cortado, e contra todos os regulamentos, fez Elias subir ao carro do trem. Depois de bater com os fracos joelhos, como as de uma velha, ajudado por duas datilógrafas de busto saliente, Elias deixa arrastar pelo chão seu humilhado corpo de homem agonizante e derrotado. Estava vestido com farrapos, com as partes púbicas a mostra. Era observado bobamente pelas duas moças – que também já não serviam mais para nada – e que não paravam de olhar com curiosidade para os órgãos sexuais de Elias, sua virilidade mirrada, os pelos encaracolados e sujos, de um semita destruído.
A tudo isso Babel olhava desconsolado, arrumando os poucos pertences do pobre soldado da monstruosa e inconcebível Rússia. Um melancólico sereno da tarde lavava a poeira dos cabelos de Babel, que perguntou ao jovem miserável que agonizava: – Numa sexta-feira, há quatro meses, Gedali, o velho negociante de roupas, levou-me a casa de seu pai. Mas você, não pertencia ao partido...
– Sim, pertencia ao partido... – respondeu o rapaz, arfando o peito, tremendo de febre. – Mas não podia deixar minha mãe.
– Mas agora, Elias?
– Quando há uma revolução [diga-se, uma guerra], uma mãe é um episódio apenas – ele murmurou, com voz cada vez menos audível. – Chegou-se a letra de meu nome, e a Organização me mandou ao front....
Pouco depois, Elias veio a falecer. O último dos príncipes, sepultado em uma estação qualquer, esquecido.
É assim que Babel nos transmite a triste certeza, de que, na guerra, não há vencedores; e a única glória, a única recompensa e consolo, é morrer – desgraçadamente – como herói.
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