Punk 77
“É preciso a gente ver primeiro tudo que a
vida tem de mau e de sórdido para depois
podermos descobrir o que ela tem de belo e
de bom, de profundamente bom”.
Érico Veríssimo
Foi num susto, que se iniciou a viagem. Ela achou que seria forte: e forte mesmo, foi o medo. Tinha consciência que seria tudo muito rápido; porém não foi: teve tempo de pensar em tudo. O vento açoitava-lhe a pele, seus cabelos “flamulavam” soltos, e lágrimas brotavam de seus olhos – tanto pelo vento, quanto por sua angústia. Pensou também que tudo seria muito fácil, que nada mais importava; enganou-se: sentia sua covardia tanta, sua insânia tanta, que mal pode suportar.
A velocidade era grande: vertiginosa. Era como se ela conseguisse sentir a tênue densidade do ar lhe tocar, indelével. E tudo se passava como se ao som de uma sinfonia, como se cordas e metais tocassem uma suave sinfonia. Queria que tudo terminasse logo; contudo, aquela viagem, já durava muito. Apesar da alucinante velocidade, era como se tudo se movesse com lentidão. Teve tempo de virar o rosto e admirar, nem que por uma vez mais, o sol se escondendo por detrás daqueles altos prédios da cidade, de ver uma pessoa, cheia de tédio, numa janela. De súbito, ela passou veloz por uma folha que planava ao sabor do vento, e que lhe chamou a atenção. Aquela altura tudo parecia um sonho: movia-se assustadoramente rápido, mas o tempo parecia estar alterado, lento, quase estagnado. E ela, sem entender nada, maravilhou-se, quando esticando a mão, pode apanhar aquela folha no ar, mas com tal delicadeza, com tal calma, que nem parecia estar se movendo em uma velocidade estonteante. Sim, era um sonho – ouvia solos de violino – só podia ser um sonho. Finalmente, um sorriso apareceu em seu semblante, há muito, taciturno.
Pensou nas pessoas que estava deixando para trás: seus poucos amigos, poucos familiares. Pensou em tudo que não havia realizado, em todas as suas derrotas e frustrações. Talvez estivesse fazendo a coisa certa – talvez não.
Nunca passou por sua cabeça, que teria tempo de pensar em tantas coisas, naquele momento. Teve ainda, sua atenção desviada para outra linda sinfonia: ouviu pássaros a cantar, e maravilhou-se, ao notar, que estava passando entre andorinhas que voavam cantando, aproveitando os últimos raios de sol, daquele crepúsculo derradeiro. Pode acompanhar com os olhos, as graciosas manobras e vôos das andorinhas, durante a sua vertiginosa queda em câmera lenta. Pensou até, que poderia continuar a viver mais um pouco, e poder admirar um pouco mais a beleza da vida e do mundo.
No entanto, era tarde demais. Enquanto violoncelos tocavam um solo agressivo, o chão se aproximava rápido e concreto. Foi só o tempo dela constatar o fato, e se chocar violentamente contra o chão, após pular do mais alto prédio da cidade.