Bolo D'água
“Há certas coisas no mundo
Que eu olho e fico surpreso
Uma nuvem carregada
Se sustentar com o peso
E dentro de um bolo d’água
Sair um corisco aceso”.
M. Chudu
“O Senhor caminha em meio à
tempestade e sobre o vento impetuoso,
as nuvens são a poeira de seus pés”.
Naum, 1:3
Corre menina, corre!
E ela corria.
Corria com seus belos cabelos encaracolados, soltos ao vento que começava a soprar mais forte apesar do calor: calor este, que anunciava chuva.
Por isso a pressa. Por isso ela corria, e olhava para o céu – que até a pouco era de um azul anil, e que logo teve todo o horizonte tomado por imensa e negra nuvem. Aquela altura, a pressa parecia ser de ambas: nossa querida menina corria tentando fugir da chuva; e aquele imenso bolo d’água avançava veloz, ávido por descarregar todo o peso que suportava, trazendo o rumor de sua fúria no ar.
E relampejou.
Sim, relampejou.
O frágil coração da menina bateu apressado – tanto pelo susto, quanto pela carreira. Ela temia os xingos de sua mãe se viesse a molhar-se na chuva. Apertou mais o passo, correu mais; no entanto, já estava sem fôlego. Pensou em se esconder da chuva, mesmo já estando bem perto de casa. Pensou, pensou... Só não deixou de correr: sim, continuou correndo. Logo, grossos pingos de chuva começaram a cair. A menina sentiu vontade de chorar: levaria uma bronca danada da mãe.
Mas ela não chorou. Que adiantaria chorar agora, era melhor deixar para chorar assim que levasse a bronca, ora!
O melhor que podia fazer, era correr.
Indiferente a isso, aquela negra nuvem já tomava conta de quase a metade do firmamento, escurecendo o dia. Os grossos pingos já caiam em maior quantidade, e começavam a molhar os cachos da menina que corria. Os caracóis de seu cabelo, já lhe pesavam mais, e alguns cachos caíam-lhe ao rosto pingando água de chuva. Já podia avistar sua casa mais à frente; faltava pouco. Até que ela não se molhara muito, felizmente, pois ainda corria.
E foi assim, correndo, que ela passou pela Dona Catalina, que carregava várias sacolas de supermercado e caminhava apressada, conforme era possível para sua idade.
“Lá vem chuva!”, lhe disse Dona Catalina, num comentário corriqueiro. Nossa menina apenas lhe sorriu, estava sem fôlego, tinha certeza que se abrisse a boca, mal sairia voz.
Dessa forma, a única voz que se fez ouvir, foi mesmo da Dona Catalina: “Ô, meu Deus!”, foi o que ela pronunciou.
Surpreendida com aquela exclamação a menina voltou seus olhos para trás, e viu Dona Catalina tentando recolher, desajeitada, as coisas que haviam caído da sacola que carregava e que por infelicidade, não resistira e arrebentara, espalhando todo o seu conteúdo pelo chão. Nossa querida menina, hesitou, ainda olhando para trás, pensando em voltar e ajudar a bondosa Dona Catalina. Avistava sua casa, a uns cinqüenta passos corridos, poderia chegar antes da chuva engrossar de vez e se livrar de qualquer tipo de bronca da mãe; e ali, no entanto, logo atrás, estava a querida Dona Catalina, atrapalhada, sem conseguir recolher tudo que caíra ao chão. A menina não pensou muito – foi seu coração que lhe falou mais alto – voltou para ajudar a Dona Catalina. Apanhou diversas latas e pacotes de mantimentos – o máximo que conseguiu carregar – e levou tudo até a varanda da casa de Dona Catalina que já se encontrava apenas alguns metros de onde caíram as coisas. Voltou correndo recolheu nova leva, e por fim, junto ao que Dona Catalina levara, terminaram de carregar tudo.
Dona Catalina deu um terno beijo na testa da menina e convidou que entrasse para tomar um chocolate. A garotinha agradeceu e disse que precisava ir para casa, já se despedindo.
Dessa forma, deu sua última carreira em meio aos pingos de chuva que já caíam com mais intensidade e molhavam seu vestidinho todo, assim como seus belos cachos.
A essa altura, ela já contava os passo: dez passos mais, e já estaria a porta de sua casa. O que ela não contava, era com uma pequena poça de chuva. Tentou até desviar, mas pisou em falso, seus pés escorregaram na lama: estatelou-se na poça. Seu lindo vestidinho ficou todo sujo de lama; seus cabelos encaracolados, empaparam de sujeira.
E ela chorou.
Chorou com tristeza, e também de dor.
Sem mais tardança, levantou-se chateada, ainda chorando e com o lombo doendo. Caminhou para casa, agora já sem tanta pressa. Sua mãe já lhe esperava a porta. A menina temeu o xingo, temeu a bronca. Ainda mais agora que estava toda suja de lama. Sua mãe lhe observava séria, com as mãos apoiadas nas ancas.
A triste menina, que continuava a chorar, olhou pesarosa, já esperando as trovoadas dos xingos de sua mãe.
Entretanto, pode comprovar com doçura, que o sol volta sempre a brilhar, mesmo depois de uma forte tempestade. Sua querida mãe ajoelhou-se diante dela, assim que se aproximou, e lhe perguntou se havia se machucado muito, mas com um sorriso tão lindo, tão doce e mavioso, que a menina até esqueceu da dor que sentia pelo tombo, esqueceu até que estava encharcada de lama. Correu então para abraçar sua querida mãe, ainda chorando.
Mas agora, chorava de jubilo, pelo carinho e preocupação da mãe – que com certeza, vira seu tombo e lhe abraçou docemente, sem mesmo se importar em se sujar com a lama do vestido da filha.
A menina sentiu tanta alegria, e felicidade tanta, que mal pode descrever.
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