"Assim Falou Bábel".
O SAL: DO ENGODO.
Através de uma carta de Nikita Balmachev, Bábel nos conta a história deste. Rumavam para Berlichev, e tiveram o curso do trem interrompido por contrabandistas; nossos piores inimigos, subiram sobre os carros, apinharam-se na linha e todos tinhas sal nas mãos, sacos de mais de noventa quilos. Mas a vitória destes inimigos não durou muito.
A iniciativa dos soldados, que haviam saltado dos vagões, vingou o insulto e reanimou as autoridades. Somente as representantes do sexo feminino permaneceram por ali, com seus sacos de sal. Algumas destas foram alojadas nos vagões, pelos soldados, por compaixão. No nosso carro, o do segundo pelotão, havia também duas pequenas, porém, ao primeiro sinal de partida, chegou uma mulher com aspecto de matrona, e uma criança nos braços. Diz:
“Deixem-me subir, jovens cossacos, meus rapazes. Nessas estações temos passado pr grandes dificuldades, durante a guerra. E eu com resta criança nos braços. Preciso me encontrar com meu marido, mas é difícil viajar, nas estradas de ferro. E eu não merecia isso, meus bons cossacos, não lhes parece?”.
“Boa mulher, responde Balmachev, no que o pelotão decidir estará o seu destino”.
Volta-se então aos soldados, e explica a eles. Como era? Consentiriam ou não que ela subisse para o carro?
“Deixe-a entrar, exclamaram os homens, Ela não quererá mais se encontrar com seu marido, depois do tratamento que lhe vamos dar”.
“Isso não, Balmachev responde aos homens com toda a urbanidade. Com o meu respeito, membros do pelotão, mas estou admirado dessa grosseria de sua parte. Lembrem-se de suas vidas, que já foram bebês nos braços de suas mães, e assim compreenderão que não devem falar desta maneira”.
Os cossacos discutiram uns com os outros e resolveram deixar a mulher subir, competindo entre si nas atenções que lhe prestavam.
“Sente-se aí nesse canto, minha boa mulher, e agasalhe o bebê como fazem todas as mães. Ninguém lhe tocará; lhe disseram, chegará são e salva com é do seu desejo, e contamos com o seu reconhecimento, para dar ao mundo outros homens que nos substituam, porque os velhos já estão ficando mais velhos, e não há muitos jovens por aí.”
Assim viajaram. O bom Balmachev não pregou o olho, passou a noite sem pegar cochilo. E quando já ao tocar da alvorada, quando instigado pelos cossacos, ele se escusou:
“Meus respeitos, soldados. Com licença, deixem-me dizer ali duas palavras àquela mulher”.
Assim aproximou-se da mulher, tirou-lhe a criança dos braços, rasgou as roupas que a envolviam, e descobriu um bom saco de sal.
“Que bebê estranho, camaradas, disse ele, que não precisa mamar, que não suja as fraldas, nem acorda a gente com seu choro...”.
“Perdoem-me cossacos, meus bons rapazes, interrompe a mulher com toda a calma. Não fui eu quem os enganou, e sim a dificuldade que em que me encontro”.
“Balmachev desculpará todas as suas dificuldades, respondeu ele. Mas veja os cossacos, minha boa mulher, os rapazes que a puseram num pedestal, por ser uma mãe que trabalhou pela república. Veja essas duas moças que choram agora, pelo que lhes fizemos pela noite. Pensem nas esposas, que nos trigais de Kuban gastam suas forças sem seus maridos, e eles também sozinhos, vendo-se na dura necessidade de violentar as jovens que encontram. E ninguém lhe tocou, mulher malvada, e era o que merecia. Pense na Rússia, veja a Rússia esmagada de miséria...”.
Após o colóquio, é escusado de dizer que Balmachev atirou a cidadã para fora do carro na plataforma, com o trem em movimento. Porém a mulher era grande e forte, apenas sentou-se, espalhou as saias e começou a dizer desaforos. E vendo aquela mulher ilesa, seguindo seu caminho, e a Rússia em seu redor, prosseguir de uma maneira que nem saberia descrever, os campos sem espigas de milho, as moças ultrajadas, e as multidões de camaradas que vão para o front, do qual poucos voltam, Balmachev teve o ímpeto de saltar do carro e pôr fim à sua vida, ou antes, a dela. Mas os cossacos tiveram pena dele. Disseram:
“Liquida-a com teu rifle”.
Assim, Balmachev tirou o seu fiel rifle, preso à parede do carro, e terminou por lavar aquela mancha da face da terra dos trabalhadores, e da república...
Isaac Emmanuilovich Bábel (Odessa, 13 de Julho de 1894 — Moscou, 27 de Janeiro de 1940) foi um escritor e jornalista russo.É considerado o primeiro escritor de importância a emergir da Revolução Russa. Sua obra prima é Cavalaria vermelha, um livro de contos baseados na guerra civil, escritos num estilo bastante rico. Misturam, de forma contundente, violência e romantismo , lirismo e barbárie. Sua técnica utiliza a inesperada oposição de imagens, numa das prosas mais vivas já escritas na Rússia. Possuía um grande poder de concisão - alguns de seus contos têm apenas uma página. Seu outro grande livro chama-se Contos de Odessa: divertidas histórias de "gangues" de judeus ambientadas na cidade de Babel. Morreu em 1940. Sua obra completa não chega a preencher mais do que um livro de bolso, porém esta medida é suficiente para reconhecê-lo como um dos melhores escritores do século XX.O livro conhecido em todo o Ocidente como "A Cavalaria Vermelha" foi traduzido diretamente do russo para o português por Aurora Bernardini e Homero F. de Andrade, e recuperou o título original "O Exército de Cavalaria". No Brasil, também foi publicado o livro "Maria", com cinco contos e uma peça de teatro. (Fonte: Wikipédia)
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