Mutantes e Seus Cometas no país do Baurets.

Capítulo XIX
O Grande Baurets.
Rita Lee surpreendeu-se com o que viu. Era outro incrível centauro, só que maior e mais imponente; na mão, ele portava um vigoroso arco, carregava um alforje cheio de flechas, e na cabeça uma magnífica coroa dourada, cravejada de pedras preciosas: ele era um imponente Sagitário.
– Você é o rei Baurets? – foi a única coisa que Rita pode dizer, mesmo já sabendo qual era a resposta; enquanto enxugava as lágrimas que molhavam seu rosto.
– Sim, sou. Eu sou o começo, sou o fim! Sou o “A” e o “Z”! O que neste país tudo tem e tudo pode! Sou como um pingo d’água, tenho meu lugar para cair! Sou Sagitarius: flechas no coração! – ele exclamou.
– Por que Vossa Alteza, sois assim? Tanta maldade, tanto ódio em vosso coração? – Rita tornou a falar, lhe indagando com amargura, e ainda ajoelhada ao chão.
– Amor, amor... – o grande Baurets respondeu com sarcasmo – Sou como nasci. Eu sou o que eu vivi! E não vou mudar tão depressa, não vou!
– Por que acertastes meu amigo com uma flecha, sem piedade? Por quê?
– Ora, ora! estamos em guerra! Vocês invadem meu palácio, lutam contra mim, e não querem que sejas impiedoso?! – respondeu o rei; enquanto Rita examinava a ele, admirada, pois Baurets, o rei-sagitário, era grande, era forte; todo seu tronco e membros, e cabeça, tinham uma tonalidade entre o amarelo e o verde; possuía uma cabeça proeminente, os ossos da sua face e queixo, eram muito salientes, dando um aspecto de força e poder, o topo da cabeça era lisa, sem cabelo algum; e o mais incrível: seus olhos eram inteiramente brancos.
– Quando eu era criança, na rua, eu brigava muito – dizia ele, enquanto Rita continuava lhe observando. – O tempo passou e aqui estou eu, brigando. É duro viver num mundo em que a confusão está por trás de tudo!
– Egoísta! – Rita Lee respondeu, irritada e com indignação, e sem ao menos se levantar de onde estava. – Pensas que só vós sofreis? De onde venho também não é um mar de rosas. estou cansada das mentiras que tenho que ouvir, dos velhos palhaços fantasiados. Também é duro viver num mundo em que a falsidade está por trás de tudo.
– Você é apenas uma garotinha, não entende. Olhe a minha volta: está tudo explodindo! Você nunca entenderá as responsabilidades que tem um rei, zelo sempre por meu povo... Quem tu pensas que é? E de onde tu és, pirralha?
Rita Lee levantou-se furiosa com as provocações do grande Baurets, caminhou em sua direção e respondeu com ira, e cheia de coragem:
– Sei que não sou daqui, eu sou de qualquer lugar! Sim, meu passaporte é espacial, sou um cidadão da terra! A minha fronteira é o coração de todos meus amigos. A minha vida é toda verdade. E pouco importa, eu não tenho mais idade, pois meu passado é meu futuro, meu tempo: é o infinito, fique sabendo!
O grande Baurets admirou-se com tanta valentia em uma garotinha tão frágil. Pensou em dizer-lhe algumas poucas e boas, mas foi interrompido por ela, que lhe disse, já sem medir conseqüência alguma:
– Antes de mais nada, tome! Está é uma carta de um cidadão de vosso país. Leia e veja o que pensas vosso povo!
O grande Baurets, surpreso, apanhou a carta das mãos de Rita, e foi isso o que ele passou a ler, meio confuso:
“Usted que esta en la cuerda bamba, puede saltar. Es como un pájaro en viento. En la music. No hay que tener ni un poquito de excitación. Usted que tiene locura poca es imbecilidad”.
Após ler estas palavras cheias de sarcasmo, o grande rei Baurets, sentou-se como pôde – com seu corpo de cavalo – sobre alguns escombros que lhe estavam próximo, e ficou pensativo. Parecia confuso e triste.
– Loucura pouca é bobagem... – disse ele ainda pensativo. – Sinto minha mente em branco, veja...
Dito isso, o grande Baurets, retirou a coroa e abriu sua grande cabeça pelada (sabe-se lá como!), retirando lá de dentro, duas garrafas de um leite branquíssimo – ele parecia desconsolado.
– Não sei... Quem sabe é a tal da esquizofrenia... – o rei refletiu, colocando as garrafas ao chão. – Quanta coisa estranha eu guardo dentro dos órgãos.
A partir deste momento, Rita Lee começou a achar que o rei não era uma pessoa ruim; era apenas, um homem perturbado; transformado pela dureza da vida. Tentou lhe dizer umas palavras que pudessem lhe abrir mais a cabeça:
– Então, por que não deixa de lado estes pensamentos ruins. Não tente lutar, deixe os pensamentos da guerra! Veja se é feliz assim; e se não for, você tem que mudar... Na guerra não há heróis, não há vencedores; todos perdem com a guerra, todos saem derrotados.
O rei parecia realmente confuso, triste e angustiado.
– A magia e o tabu, vêm à frente das cresças e das práticas sem fundamentos, que se impõem à história da psicologia – ele divagava. – Acabaram-se os mistérios, e eu não tenho ilusões, pois tudo é como sempre foi; e não há nada que eu possa mudar.
De repente Rita teve uma idéia, que talvez pudesse ajudar ao grande Baurets – que pelo visto necessitava muito de ajuda. Ela abriu sua pequena bolsa branca, cravejada de pérolas, retirou o pouco que restava do pó de pirlimpimpim, e se aproximou mais ainda do grande Baurets.
– Então, talvez possamos entrar, bem no fundo de você, da sua cabeça – ela falou, despejando o mágico pó de pirlimpimpim sobre a cabeça do rei. – Desvendaremos seu olhar, pra te mostrar, desse mundo de ilusão: mistério, solidão, ilusão!
Assim que o mágico pó caiu por sobre a calva cabeça do rei Baurets, ele sentiu como se sua cabeça estivesse crescendo e sua mente se expandindo como nunca antes; sentiu seu corpo todo vibrar.
– Hey tu, que entra nas cabeças! Cuidado pra não dominar!!! – ele exclamou, alegre com aqueles efeitos alucinógenos.
A partir de então, foi como se todo o ambiente se tornasse flexível, misturado estava o espaço e o tempo. Das orelhas do grande Baurets, parecia sair diversos fios coloridos: brancos, vermelhos, amarelos, laranjas, marrons; eram como fluxos de idéias que não paravam de jorrar, deixando a mente do rei, livre. Ele sentiu-se leve: como se quase pudesse voar. Todos seus medos, todos seus receios haviam desvanecido; parecia uma nova pessoa, um novo homem.
Sentia-se tão feliz, que se pôs de pé, e começou a cantar e a bailar, com suas quatro patas:
“Som, para acordar...
Amanheceu
Tudo em paz
Para cantar....
A música...”
E ele pegou a Rita pelas mãos e começou a bailar por entre os destroços, no que sobrou da ante-sala. Rita sem saber o que fazer, se deixou levar.
– Oh, minha querida! Tu me mostraste o quanto minh’alma estava escurecida, e quanta maldade eu guardava dentro de meu coração!!!
Estas palavras, terminaram por trazer Rita de volta a realidade, e a fez lembrar-se de tudo que acontecera a seus amigos. Ela então, largou das mãos do rei Baurets e entristeceu-se. Vendo aquela reação o grande Baurets, quis saber o que havia. E Rita lhe respondeu:
– Vós ainda me perguntais, o que há?! Perdi todos meus amigos, aqui, hoje. Vós mesmo, atravessastes um deles com vossa mortífera flecha...
– Oh, perdão minha querida. Desculpe-me, tu sabes o quanto eu estava dominado pelo ódio, pelo rancor.
– E que diferença faz agora, que tudo... é findo – Rita respondeu, triste e lamuriosa. – Eles se foram, e não há nada que possa ser feito.
– Ah minha menina, não diga isto! – o grande rei respondeu eufórico. – Tu não sabes que aqui é o país de Baurets? Aqui tudo é possível. Aqui, as coisas são como eu desejo que sejam.
Uma pontinha de esperança começou desabrochar no tão sofrido coraçãozinho de Rita: “seria mesmo possível?”.
– Ah, se pudéssemos voltar no tempo, e consertar isso tudo... – Rita falou.
– Se é assim que tu desejas, assim será minha menina!
Dito isso, o grande Baurets, fechou os olhos, juntou suas mãos, abertas, uma sobre a outra diante do peito; concentrou-se, e depois, abriu seus braços, e também os olhos – que eram inteiramente brancos, e que agora, brilhavam como dois grandes sóis.
Dessa forma, o tempo começou a retroceder lentamente. Apenas Rita, e o rei, não eram afetados por aquela alteração. No entanto, à volta dos dois, tudo parecia rodar ao contrário: os estilhaços e destroços do teto começaram a voltar a seus lugares, as colunas, voltavam a juntar seus pedaços e a porem-se de pé, novamente.
Enquanto a roda do tempo retrocedia, o grande Baurets admirava aquelas maravilhas e recitava lindos versos, feliz como nunca:
“Quem sabe o sol, quem sabe o céu
Quem sabe o vento vai parar de soprar
Quem sabe um dia as nuvens, um dia: desanuviar...”
Rita tentava observar a tudo, a toda a maravilha que ocorria diante de seus olhos. Infelizmente, não pode ver muita coisa, pois com o retrocesso do desabamento, a densa poeira voltou a se formar, dificultando-lhe a visão.
E o rei Baurets continuava a declamar seus versos, entusiasmado:
“...Quem sabe a fome, quem sabe a paz
Quem sabe um dia tudo me satisfaz
Quem sabe se é hoje o dia de desanuviar”.
E foi assim que sucederam-se os fatos. A roda do tempo retrocedeu até o momento em que os Centuriões-centauro, combatiam aos Mutantes invasores. Só cessaram o combate, quando o grande rei Baurets bradou a seus comandados:
– Chega! Guardem as armas!!!
(...continua).
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