Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets.

Capítulo XVIII
Lápites e Centauros.
No capítulo anterior, deixamos nossos valentes heróis, prestes a reeditar a célebre batalha entre Lápites e Centauros. Estavam cercados: eram doze os Centuriões-centauro, avançando, diante deles; enquanto que uma centena de soldados de chumbo acuavam-nos pela retaguarda. Não havia como escapar, o combate era eminente.
Rita Lee ficou como paralisada, tanto foi o espanto de ver, com seus próprios olhos, aqueles homens-centauro, que só havia ouvido falar nas lendas e mitológicas histórias clássicas. Oh, pobre Rita, assustada e temerosa, assim como Hipodâmia deveria ter se sentido, em seu próprio casamento. Mas para sorte de Rita, ali estavam seus valentes amigos, que se posicionaram a seu redor para lhe proteger. E eles logo tiveram que agir, pois mesmo que temerosos, a gigantesca tropa de soldados de chumbo ameaçam invadir o recinto. Dessa forma, Sir Ronaldo se posicionou então na retaguarda para lhes deter, ficou bem em frente ao arco da porta, e assim que um soldado mais corajoso avançava, ele deferia sua baqueta-bastão, acertando a cabeça do soldado bem em cheio, derrubando-o sobre seus companheiros. Quando não usava sua baqueta-bastão, Sir Ronaldo utilizava de sua mortífera cauda de escorpião, dando ferroadas fatais nos soldados. Com isso, vendo aqueles prodígios, a tropa se conteve surpresa, diante de tanto poder daquele oponente; e mesmo quando tentavam avançar em grupos, Sir Ronaldo, tratava de tocar sua poderosa caixa-de-guerra, fazendo o chão todo tremer, derrubando a maioria da tropa, impedindo a eles de avançar, e mesmo de permanecerem de pé.
Neste meio tempo, à frente de nossos destemidos Mutantes, os Centuriões-centauro brandiram suas lanças pontiagudas e partiram para cima de nossos heróis, que os combateram com coragem. Eram fortes e poderosos estes centuriões, e seu maior número, causou grandes dificuldades de defesa para os Mutantes: Arnolpho-crocodilo deslizava com destreza, por entre dois e três Centuriões-centauro – que apesar de mais fortes, eram mais lentos – desferia-lhes fortes golpes com sua cauda de crocodilo, e dedilhava as grossas cordas de seu instrumento, lançando graves bases sonoras na direção daqueles centuriões, impedindo o avanço. O valente Baptista, combatia com igual ferocidade: saltando de um lado para o outro, com suas potentes pernas de grilo, desbaratando aos oponentes centuriões, e sem deixar de tocar sua escaleta furta-cor, derribando alguns deles ao chão, com seus potentes sopros sonoros. Já o virtuoso Sérgio, zunia suas asas de inseto voando de cá para lá, de lá para cá, e tocava seu alaúde magnificamente, distribuindo rifes e acordes de poderosas massas sonoras, causando estrago na formação dos Centuriões-centauro.
Principiados estes combates, Rita despertou de seu inicial deslumbramento e torpor que lhe abateu, assim que seus olhos vislumbraram aqueles magníficos e terrificantes Centuriões-centauro. Tratou logo de auxiliar a seus amigos nos combates: abriu suas fantásticas e grandes asas de cisne e lançou-se ao ar, agitando-as com graça; e assim, sobrevoou os combatentes. Alguns Centuriões-centauro notando seu vôo, tentaram lhe acertar com suas pontiagudas lança; contudo, Rita, muito habilmente, desviava de todas as lanças, que passavam zunindo próximas de si. Ela subia até as altas abóbadas daquela ante-sala e descia, num veloz e rasante vôo, tocando seu encantado pandeiro, atordoando a vários oponentes.
Agora, com a grande agilidade e audácia de Rita, os Mutantes pareciam estar levando a melhor sobre os Centuriões-centauro – que desbaratados, não conseguiam prever de onde viriam os próximos ataques. Enquanto isso, Sir Ronaldo divertia-se, mantendo a enorme tropa fora da ante-sala e fora do combate: ora com suas baquetas-bastões, ora com sua ferina e mortífera ferroada de escorpião, e entre os fortes sismos que criava, tremendo todo chão a sua volta.
Mesmo assim, os poderosos Centuriões-centauro retomavam sempre o ataque, e tornavam a investir sobre os Mutantes; levando desvantagem ou não naquele combate, eles pareciam decididos a retardar a vitória dos Mutantes, o máximo possível. E assim se desenrolou a batalha por longos minutos. Todos pareciam cansados, inclusive nossos aventureiros Mutantes.
A batalha só teve fim, quando Sérgio Dias teve uma grande idéia. Ele voou em direção a Sir Ronaldo, e disse a ele:
– Companheiro Ronaldo, deixe que cuido dos avanços da tropa, vá até a coluna central desta ante-sala e toque sua caixa-de-guerra para abalar-lhe!
– Sim, amigo Sérgio! Deixe comigo! – Sir Ronaldo respondeu.
Deste modo, Sérgio ficou diante da porta de entrada, e começou a tirar estridentes sons de seu alaúde, enquanto cantava:
“Bem-vindos aqui!
Bem-vindo sois!
Bem-vindos aos portais do Sol...!!!”
Os estridentes e agudos rifes que ele tirou de seu alaúde, foram tão potentes que derribou ao chão toda aquela centena de soldados, com as mãos nos ouvidos.
E ele continuava a tocar e cantar:
“... Estamos aqui!
Pra te encontrar!
Trazendo muito... amor... pra... dar...!!!!!”
Neste meio tempo, Sir Ronaldo já se encontrava diante da forte coluna que segurava toda o teto da ante-sala. Não tardou em tocar sua mágica caixa-de-guerra, criando o mais forte sismo que conseguiu. O chão todo tremeu, o palácio inteiro pareceu chacoalhar com aquele terremoto. Todos pararam por alguns segundos, assustados. Pedaços de reboco das paredes e do teto começaram a desprenderem-se, caindo. Destarte, Arnolpho-Lima-crocodilo, entendendo a intenção de Sir Ronaldo, virou seu instrumento em direção a grande coluna central, e estilingou as cordas de seu baixolão, lançado graves sons em direção a coluna. Com isso, as abóbadas do teto, trincaram. O efeito do terremoto causado pela caixa-de-guerra de Sir Ronaldo, acrescido agora do efeito do som grave do instrumento de Arnolpho, fizeram toda a estrutura da ante-sala ruir. As colunas não suportaram mais o peso, o teto começou a desabar. Muitos Centuriões-centauro foram soterrados de imediato. Infelizmente, a parede da grande porta de entrada, também desabou, soterrando a Sérgio Dias, sem lhe dar tempo de se esquivar. Arnolpho e Sir Ronaldo não tiveram melhor sorte, foram atingidos e cobertos pelos estilhaços da grande coluna central – a qual botaram a baixo com seus mágicos instrumentos. Rita conseguia desviar dos destroços e pedaços do teto que desabavam, pois suas alvas asas de grande envergadura davam-lhe uma agilidade tremenda. Outro que conseguiu se livrar do desmoronamento foi Baptista, que pulava ligeiro, com suas fortes pernas de grilo, de um lado para o outro, desviando dos destroços.
Rita permaneceu sobrevoando a ante-sala. Quase já não havia mais teto ali. O céu, banhado de vermelho e alaranjado daquele entardecer, despontava por entre o grande buraco que fora aberto.
Logo o desmoronamento cessou. Assim que Rita olhou para baixo, viu apenas Arnaldo Baptista, que se encontrava sobre vários destroços, onde antes havia os degraus que davam para a porta nos fundos da ante-sala. Ele estava de costas para a porta, olhava, ofegante, e assustado, chamando por seus amigos, tentando ver alguma coisa por entre a densa fumaça que se formou com o desmoronamento. Rita pensou em chamar por ele, mas foi surpreendida por um terrível grito de dor, de Baptista.
Assustada, ela mergulhou veloz na direção de seu amigo, e quando lhe alcançou, Baptista já estava ajoelhado ao chão, com uma vigorosa flecha cravada em suas costas.
Rita lhe abraçou, e chorou muito.
– Não se vá meu amigo! Não se vá! – disse ela, soluçando.
Baptista não pode lhe responder de imediato, sentia sufocar-se.
– Oh, meu amigo, não me deixe só! – Rita insistia.
– Riiiiita... – ele sussurrou, parecia retomar um pouco da lucidez. – Desculpe Rita...
– Não, não se desculpe! Não há nada que se desculpar!
– Desculpe por ter falhado, por não poder mais te ajudar...
– Cale-se! Você ira ficar bem, não se preocupe.
Rita parecia dizer aquilo mais para si mesma do que propriamente a Baptista – que por sua vez, começava a divagar e a cantar, olhando o vazio:
“Você sabe o que eu pensei,
Eu também sei o que você pensa.
Você sabe o quanto andei,
Deus, também serei o que você quiser...”
Rita, já não conseguia dizer mais nada, sufocada pelos soluços e lágrimas.
E Baptista continuava, olhando para o nada, olhando para o além, e erguendo sua mão ao céu:
“Nas estradas eu andarei
Nessa escalada alcançarei o sol!”
Pouco depois, Arnaldo Baptista já não respirava mais. Seu corpo pendeu aos braços de Rita, inerte.
Pobre Rita, estava agora sozinha, em um país estranho, sem amigos e sem ninguém. Chorou muito, lamentou-se muito.
E foi com extremo carinho que ela depositou o corpo de Baptista sobre os escombros. Lembrou-se, de ver, se mais alguém havia sobrevivo ao desmoronamento. A poeira já havia baixado. Rita saiu à procura de seus outros amigos: gritou por eles, ainda chorando; desesperou-se por eles.
Não, ninguém sobrevivera.
Rita prostrou-se ao chão fatigada, em completa derrota.
Foi quando ela ouviu uma medonha risada vinda da outra sala – do gabinete do rei.
Era ele: o grande Baurets.
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