Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets

Capítulo VII
A guerra.
Afastaram-se o máximo que puderam de onde estavam. Mesmo assim, as tropas do rei encontravam-se por toda parte. Tiveram que correr e se esconder, por diversas vezes ainda. Estavam indo em direção a parte alta da cidadela, por onde poderiam fugir para o bosque, como Sérgio Dias acabou dizendo. Por um momento, Rita Lee ergueu seus olhos cheios de lágrimas para a lua – que agora começava a se aproximar do zênite do céu. Viu os olhos da lua, também mareados, pelo visto ela também estava triste com o início da guerra; viu que a lua sentia vergonha pelas atitudes humanas, tanto, que assim que uma nuvem passou ao largo, a lua trotou logo de correr e se esconder por detrás daquela nuvem: não queria ver mais nada, não queria presenciar mais nada.
Rita estava cansada. Queria mais do que nunca voltar para casa. Ainda estava em choque pela captura de seu amigo Baptista. “Pobre Baptista”, pensava ela, “O que será que irão fazer a ele?”.
E os sofrimentos de Rita, estavam apenas começando. Sentiu desfalecer, quando ouviu um megafone, agredir-lhe os ouvidos:
– Parados vocês, subversores! Parados em nome de Vossa Alteza!!!
Mal tiveram tempo de correr, e já eram seguidos de perto por um grupo de soldadinhos de chumbo. Sérgio sentiu que não conseguiriam fugir, e falou a Rita, enquanto corriam:
– Rita, suba para a parte alta da cidade, e depois fuja para o bosque. Vou retardar estes soldados para que você fuja.
– Não, não me abandone, por favor! – Rita respondeu a ele, em total desespero e chorando muito.
– Não, Rita! Assim é preciso, vai! Fuja minha menina, fuja!
Dito isso, Sérgio virou-se de encontro aos soldados e, valentemente, avançou em direção a eles, estilhaçando seu estranho instrumento de cordas, na cabeça e no corpo de alguns soldados; e depois, lutou com todas as sua forças contra outros quatro soldadinhos de chumbo. Rita ainda deu uma última olhada e pode ver os soldados tentando dominar a Sérgio Dias, em meio a socos, pontapés e coronhadas.
Rita chegou esbaforida, no topo do morro, onde achou ser a parte mais alta da cidade. O silêncio ali, era quase total, apenas o barulho da noite, se fazia presente. Sentou por alguns instantes na calçada para descansar. Ainda estava chorando. Não podia crer na má sorte de seus dois amigos, e não podia deixar, de pensar no pior. Uma angústia gigantesca dominava a ela. Sentia um grande nó em sua garganta, estava agora, em uma cidade que não conhecia, em um país totalmente estranho e louco. Não sabia o que fazer, não sabia nem em que pensar. Rita sentia-se extremamente só e desamparada sem seus amigos, sem ninguém. Sua tristeza era tanta, que ela extravasou sua dor, cantando:
“Preciso urgentemente encontrar um amigo
Pra lutar comigo
Pra lutar comigo
Quero ver o sol nascer
E a flor desabrochar
E no mundo de amanhã
Quero acreditar
Quero acreditar
Quero acreditar e a paz que eu tanto queroEu consiga encontrar...”
No entanto, nem mesmo a sua canção pode acalentar sua dor. Rita suspirou profundamente, olhou para o céu e não viu mais a lua; viu apenas negras nuvens que se juntavam. Entendeu, que logo mais, o céu estaria chorando também, e que ela precisava abrigar-se em algum lugar, sem demora. Foi só ai que Rita lembrou do que Sérgio lhe dissera (que era para ela fugir para o bosque) mas não tinha certeza, no bosque seria mais difícil abrigar-se.
De repente, Rita voltou a ouvir passos: ecos de sapatos, no chão de asfalto. Estremeceu-se toda. Olhou ao redor para ver se havia algum lugar onde se esconder e correu apressada para se ocultar em uma esquina. Temeu ser um soldado que se aproximava; porém, não viu um soldadinho de chumbo, viu apenas, um caminhante noturno, um cidadão comum e de bigode. Este homem trajava um longo sobretudo preto, de couro; na cabeça, usava um chapéu de aviador, também preto, e uma viseira de aviador sobre este chapéu; a calça e o sapato, também eram pretos, completando sua negra vestimenta. Carregava ainda um pequeno bastonete na mão. Ele caminhava pisando o silêncio da noite e falando sozinho; seu rosto demonstrava sofrimento:
– Oh, que fúria! Que tortura! – dizia ele. – O que eu não daria para ter em minhas mãos, aqueles dedos finos e delicados para apertar e beijar... uma outra vez. Oh! Antes de o dia nascer, antes desta noite... morrer.
Um grosso pingo de chuva, caiu bem no rosto daquele caminhante noturno, mas não foi o suficiente para arrancar-lhe de seu delírio.
– Luzes?! Câmera?! – indagou ele, delirante (era um relâmpago). – Tambores?! Canção... (era o trovão). – Vejo a sombra dela em todas as esquinas. Oh! Por que não levaram a mim, por quê? Como eu queria voltar a encontrar meu amor esta noite. Sem pagar, sem falar... a sonhar... Sentir aquele amor musculoso a pulsar...
O caminhante noturno, baixou a vista e olhou para o chão. Viu folhas secas, juntas a velhas folhas de jornal. Por um momento pensou ver a sombra de sua amada, novamente, na esquina – mas enganava-se, era Rita Lee, que ele percebera escondida.
– Maria é você? – ele perguntou, com os olhos a brilhar, cheio de esperança.
Aproximou-se calmamente, viu a figura de Rita, e lhe estendeu a mão a sonhar:
– Maria, Maria! Você voltou!!!
Rita, sem saber o que fazer, pegou na mão daquele homem, assustada, e levantou-se lentamente. Assim que as luzes da noite (outro relâmpago), clareou o rosto de Rita, o caminhante noturno, percebeu que não era sua Maria.
– Oh, perdoe-me senhorita! Achei que fosse minha amada.
Rita nada disse, mas percebeu uma grande ternura naqueles olhos.
– O que fazes aqui a esta hora da noite? – ele perguntou a Rita. – Mas e que horas são? – voltou a perguntar confuso.
Sentindo-se mais confiante, Rita resolveu falar com ele:
– O senhor sabe que o rei declarou guerra contra os rebeldes?
– Sim, sei. Aquele desalmado! Aquele déspota! – ele falou revoltado. – Levaram minha Maria, minha querida Lindonéia Maria... já estou a rodar, quase a noite inteira atrás dela, atrás de alguma pista que me leva a ela, mas tenho medo de saber. Saber que amanhã, ela pode estar entre aqueles que o rei mandará enforcar em praça pública.
Rita, sentiu um frio na espinha: “Será que o rei mandará enforcar a Sérgio e a Baptista, também?”.
Outro forte relâmpago rasgou o céu acompanhado logo a seguir de um forte trovão.
– Droga de chuva! Deste jeito não poderei continuar a procurar por minha Lindonéia.
– Temos que nos abrigar, pelo vista a chuva virá forte – Rita falou, olhando para a negritude da noite.
– É acho que sim... – o homem respondeu, olhando desconsolado para Rita.
– Venha! – ele tornou a dizer, mais resoluto desta vez – eu moro no bosque aqui perto, junto a minha irmã, talvez consigamos chegar antes de desabar a chuva.
Rita gostou daquela coincidência, já que tinha mesmo que se refugiar no bosque. Dessa forma, ela agradeceu ao convite do caminhante noturno e seguiu a ele.
– Como você se chama minha linda jovem? – o homem perguntou enquanto rumavam apressados para sua casa.
– Eu me chamo Rita Lee – ela respondeu cabisbaixa.
– Muito prazer milady! – disse ele fazendo uma mesura, dobrando os joelhos e retirando o chapéu da cabeça. – eu me chamo Sir Ronaldo I du Rancharia, seu criado.
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