Correspondências: Carta 02
F. Pessoa
Recebi tua carta, de palavras amargas e um tanto exageradas; através das quais, pude comprovar, por mais uma vez, tudo aquilo que forçou-me a tomar tal medida e abandonar-te.
Tu me imploras o que me é impossível de realizar. Juro que tentei, me esforcei ao máximo para poder viver a teu lado. Mas aos poucos, tua conduta e teu modo de ser, foram sufocando minha pessoa. Não era mentira o que eu sentia, pois gostei muito de ti, tenho que admitir que não era amor (não, não era), mas também, hoje em dia, é quase impossível encontrar o amor, o verdadeiro amor. Contudo, exigiste de mim, mais do que eu poderia te ofertar. Tu querias meu amor, minha total devoção, quando o que eu tinha a te ofertar, era minha sincera dedicação, carinho e afeto. Com isso, fizeste com que nossa vida se tornasse um inferno, tu roubara minha liberdade, minha individualidade; não compreendeu que éramos dois indivíduos, que precisávamos viver também, nossa individualidade.
Realmente, tu nunca me satisfizeras na cama. Nunca em teus braços obtive o prazer sincero. Mas nem foi por isso, que busquei satisfação nos braços de outros. Não, pois eu até me sacrificaria a uma vida insossa a teu lado, se tu tivesses alimentado meus outros anseios. Infelizmente, você pôs tudo a perder, e agiras totalmente ao inverso. Eu queria tua companhia e tua compreensão; tu me deras teu egoísmo e tua tirania (pois saiba, que foi tu, o tirano e opressor em nosso relacionamento!), quis tirar leite de pedra; quis, que te amasse acima de tudo, incondicionalmente.
Sinto te dizer, que nos braços de outros, obtive o prazer, como nunca tu podes me dar. Sei que tu não acreditarás em mim, mas nunca fiz isso por maldade; foi tu que me forçastes a tal atitude. E o prazer que encontrei nos braços alheios, não foi devido ao fato deles serem melhores ou piores que tu, na cama. Não, não foi por isso. Eu obtive o prazer, por eles estarem buscando apenas o mesmo que eu, um alivio do corpo, um alivio dos nossos instintos animais (coisa esta, que tu nunca poderia compreender, em seu mundo de amor perfeito, quase impossível de existir).
Sinto muito se ti tenho feito sofrer. Porém, a vida é assim (e é isso que você precisa compreender!), vivemos num mundo imperfeito, cheio de pessoas imperfeitas e falíveis. Não me leve a mal, mas nunca te amei e nunca poderei amar-te. As migalhas que tu me imploras, tu não obterás, pois as poucas e simples coisas que desejei receber de ti, tu nunca me deras.
de tua sincera e também
amargurada ex-companheira”.
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