"Na Incoerência das Eras".
Paciência não deve ser negligência,
Seja paciente, mas ativo.
Doçura não deve ser tolice,
Seja doce, mas letal.
Carlos Castañeda
Trabalhava em uma colônia de férias. Cidade litorânea.
Não era o tipo de serviço que lhe agradava, no entanto, era o que havia conseguido para o momento. Fácil é de se prever que aquele trabalho não lhe trazia satisfação alguma.
Contrapondo-se a estes fatos, havia as garotas... (sim, claro! sempre as garotas). Por se localizar em uma cidade litorânea, a colônia de férias recebia sempre grande quantidade de turistas, e dentre estes, grupos de jovens e belas garotas. Quando não estava trabalhando, Simão se encontrava com certa freqüência com muitas destas belas jovens. Rapaz atencioso, educado, e (por que não dizer) sedutor, vez por outro Simão acabava se relacionando com algumas delas.
E é ai, que surge Tereza: uma bela e delicada garota de pele alva, cabelos negros, cortados baixinho, sorriso esplendoroso, e um caminhar de leveza anti-gravitacional. Tereza fazia parte de um grupo de turistas da capital do estado, e simpatizou-se de imediato com Simão, com quem passou a flertar, provocadoramente.
Simão trabalhava no período matutino, até o meio da tarde, o que lhe proporcionava boas horas livres. Sendo assim, começou a participar das atividades do grupo de Tereza. O envolvimento dos dois foi inevitável. Passeavam na praia, frequentavam a noite litorânea, boates, bares, restaurantes. Tereza passou a exercer grande fascínio em Simão. Mesmo sem querer assumir um envolvimento maior com ele, Tereza agia dominadoramente, o que incomodava um pouco a Simão. E como nosso amigo era muito carismático e sedutor, foram várias as garotas do grupo de Tereza que passaram a flertar com ele também. Nestas situações, algumas amigas de Tereza brincavam com Simão, dizendo a ele que Tereza não ia gostar nada de saber sobre os flertes, coisa e tal. Simão sorria – um pouco surpreso, um pouco irritado – e respondia que não tinha dona. O fato de Simão ser desejado por outras garotas deixava Tereza enciumada, mas ela fazia questão de não demonstrar, dizia apenas saber que era a ela que Simão estava cativo.
Simão percebeu que havia algumas controvérsias e inimizades naquele grupo de turistas. Inclusive, Tereza não simpatizava nem um pouco com uma garota chamada Jane, uma das mais belas garotas deste grupo. Já Simão, simpatizou-se com Jane, não apenas por sua beleza colossal, mas também por ser ela uma garota muito doce e serena.
Neste meio tempo, Simão sentiu-se agastado com a presença de Tereza, que parecia querer ele sempre por perto, mas não lhe dava a atenção e carinho merecido em contrapartida. Sentiu-se um bobo na mão de Tereza, que hora lhe agarrava, para tê-lo a seus pés; e hora não lhe dava atenção alguma. Tereza parecia querer apenas lhe exibir para os outros, como quem diz: “Vejam, este tolo, ele é meu, faço dele o que bem entender”.
Durante este período, quando não estava junto de Tereza, Simão não deixava de sair e se divertir. A noite litorânea era muito agitada e Simão aproveitava as noites sem peso na consciência. Em certa noite, Simão chegou na boate mais badalada da cidade, e não tardou em avistar Tereza. Sentiu necessidade de ir falar com ela – queira por certa obrigação, pelo envolvimento que havia entre eles; queira por gostar de Tereza, apesar de tudo, e por ela ser linda.
Chegando na roda de amigos, Simão cumprimentou a todos, e deu um doce beijo de canto de boca em Tereza, que repeliu a ele. Simão sentiu-se confuso, quis saber o que havia acontecido, pois sabia não ter feito nada de errado.
– Me deixa! – foi o que Tereza respondeu. – Que chatice, não enche!
Simão sentiu-se surpreso – abismado, seria o mais correto dizer.
Aquilo foi como uma punhalada no peito de Simão: “Quem esta doida pensa que é?”, ele se indagava. Não pensou duas vezes, afastou-se de Tereza no mesmo momento, com uma vontade louca de lhe cuspir nos pés, tão revoltado estava.
Ah...e orgulho como só, Simão resolveu mostrar a Tereza que pouco se importava com ela – o que talvez não fosse verdade –, e aproveitou para curtir adoidado com as garotas que vinham flertando com ele. Dançou colado se esfregando a elas, curtindo seus corpos tenros e perfumados. Beijou muitas delas. Passou quase toda a noite assim, se deliciando com belas garotas que se extasiavam em ver Simão com todo aquele fogo, e que também iam ao deleite. Mesmo assim, conforme se aproximava o final da madrugada, Simão foi sentindo um certo inconformismo. Apesar de tudo, aquela atitude tomada não estava lhe agradando: sentiu-se vazio.
Parou, de súbito, como que perdido. A tristeza resolveu lhe abraçar; a angústia apossou-se de seu coração.
Uma roda de garotas – que também pertenciam ao grupo de Tereza – acenaram para Simão, lhe chamando. Talvez tentassem tirá-lo daquela súbita tristeza que lhe era latente em seu rosto, em seu corpo, naquele momento. Talvez mesmo, nem nada tenham percebido, na verdade.
O fato é que Simão chegou até a roda de garotas; e Jane, a bela, a colossal Jane, estava entre elas. Passaram a conversar sobre assuntos diversos. Simão mal percebia, mas (parecia já estar tudo combinado), pouco a pouco, as outras garotas da roda foram saindo, uma a uma, até que por um momento, Simão notou estar apenas ele e Jane, juntos e bem próximos. Jane estava encostada em uma parede, com um dos pés apoiado na mesma. Simão, por sua vez, estava bem a sua frente, com o rosto quase colado ao dela; uma das mãos ele apoiava na parede, a meio palmo da delicada orelha de Jane. Quando deu por si, Simão assustou-se com toda aquela proximidade, não sabia o que fazer. Porém, abismado mesmo ele ficou, quando um inevitável beijo, aconteceu. Nos dias subseqüentes, recapitulando aquele momento mágico, Simão teve certeza que Jane havia armado toda aquele estratagema para lhe fisgar.
E foi isso mesmo: Jane desejava Simão, e não fez cerimônia. Ficaram o resto da noite aos beijos e carícias. Que mulher esplendorosa era Jane, farta de carnes, de caricias, de desejo. Para Simão, foi como um alento, foi como um resgate.
Em certo momento os belos amantes encontravam-se sentados em um confortável sofá: Jane sentada no colo de Simão, lhe dando beijocas em sua orelha, pescoço, olhos, boca – toda manhosa, sabedora de seu poder. E como que por maldade do destino, naquele exato momento, enquanto os dois se divertiam risonhos, Tereza passou bem em frente ao sofá, e os viu. Por sobre o ombro de Jane, Simão também avistou Tereza. Por incrível que parece, ele não se sentiu vingado, não se sentiu bem com aquilo – pois, ele estar aos beijos com a maior desafeta de Tereza, parecia sim, ser vingança. Ao invés disso, Simão sentiu-se até desgostoso com aquela situação, e sentiu-se triste – não consigo mesmo, mas triste por Tereza, por contatar que ela sofreria muito ainda na vida, se não modificasse esta sua conduta mesquinha e orgulhosa.
Apesar de tudo, o final da noite não poderia terminar melhor. Embalados pelas loucuras da juventude, pelo desejo febril de seus jovens corpos e seus sonhadores corações, Jane e Simão, voltaram juntos para a colônia de férias; e mais: enquanto Jane rumava para seu apartamento, Simão subiu pela escada de serviço e foi até o apartamento em que Jane se hospedava. Quando bateu a porta, Jane já esperava por ele.
Nem é preciso dizer a fantástica e prazerosa noite que ambos tiveram. Eram os donos da noite, donos e soberanos. Nem se importaram com o perigo de serem descobertos, nem se preocuparam com nada. Importava, isso sim, transformar um ao outro nas pessoas mais felizes de toda a divina criação.
Viraram a noite juntos, dormindo abraçados. Simão só saiu do quarto, quando já era hora dele trabalhar. Nunca em sua vida, trabalhou tão feliz naquela colônia de férias como naquele dia.
Antes ainda de sair, Simão notou algo que lhe chamou a atenção. Quando correu seus olhos por uma das duas camas que havia ao lado da cama de Jane, notou aos pés desta, uma mochila aberta com vários pertences, e dentre eles um porta retrato de uma senhora grisalha abraçada a uma bela jovem de pele alva, cabelos negros, cortados baixinho, sorriso esplendoroso. Por uma grande... por uma enorme ironia do destino, aquela jovem abraçada a senhora grisalha, era Tereza. Tereza era uma das garotas que dividia o quarto com Jane.
Simão ficou estático por alguns instantes, não podendo crer naquilo. Por fim, procurou não pensar mais neste fato. Escreveu um bilhete, voltou-se para Jane que dormia como um anjo, deu-lhe um leve beijo em seus lábios e deixou sobre o travesseiro que usara, o bilhete que escreveu, com as seguintes palavras:
“Havia em meu frágil peito
Um vazio do tamanho de um oceano.
Mas um simples brilho de teus olhos
Inundou o oceano do meu coração,
Enchendo-o de paz, alegria, felicidade e amor;
Pois essa é uma noite sem fim... e o mundo...
De hoje em diante, a nós pertence”. Simão.
Ainda há esperança para o amor, neste mundo.
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