"Na Incoerência das Eras".
Contra a moral e contra os códigos
Darte-ei entre meus braços pródigos
Um momento de eternidade”.
Bandeira
Há um bom tempo aquela garotinha, no auge de seus seis anos de idade, já vinha reparando naquele menino franzino, de boné vermelho, uniforme azul-marinho. Apesar de sua pouca idade, aquela garotinha era muito inteligente e esperta – e também, possuía uma grande sensibilidade e já se sentia dona do mundo com seus seis anos de vida.
Passava o tempo brincando com as amiguinhas que fizera ali na creche. Porém, volta e meia parava um pouco para observar aquele garotinho que tanto lhe chamava a atenção.
Moravam em bairros diferentes, no entanto, o mesmo veículo ia buscá-los e levá-los embora. Ela notava que seu garotinho em especial, vivia tendo atritos com um outro garoto, que era um pouco maior que ele, e que vivia a lhe encher. Mesmo assim, a menina sentia-se orgulhosa por seu garotinho especial, pois mesmo sendo menor e mais fraco, ele não se intimidava, enfrentava ao outro assim mesmo. Às vezes, ela parava observando a ele por longos minutos. Via-o, junto a outros garotos, brincando uma brincadeira estranha naqueles trepa-trepa, onde todos subiam e um ficava embaixo tentando pegar aos outros. Pouco depois ela veio a saber que os meninos chamavam esta brincadeira de ‘jacaré’, e então deduziu que aquele que ficava em baixo era o jacaré, e tentava pegar aos outros – era uma espécie de ‘a caçada do jacaré’ – e quando ele pegava a outro que estava em cima, este passava a ser o jacaré. Mas os meninos que estavam em cima aprontavam muito com o que ficava embaixo: enchiam os sapatos de areia e batiam os pés com força no brinquedo, para derrubar areia sobre aquele que era o ‘jacaré’, e talvez até, derrubar areia dentro dos olhos deste, pra lhe maltratar. Das poucas vezes que seu predileto ficava como ‘jacaré’ – pois ele perecia ser bem esperto – a menina torcia muito para que ele saísse o mais rápido possível lá debaixo, e principalmente, torcia para que não caísse areia em seus olhos. E quando isso ocorria, ela sentia tanta pena dele, que chegava a lhe doer seu pobre e jovem coraçãozinho.
O dia que ela nunca irá se esquecer, e que lhe marcou profundamente, foi quando estavam aprendendo a escrever suas primeiras letras. A professora da classe, talvez para diminuir a bagunça, separou as crianças em quatro para cada mesa: duas meninas e dois meninos. E para felicidade de nossa bela menininha, ela foi posta na mesma mesa que seu predileto; ficou frente-a-frente com ele. Nunca em sua curta vida aquela menina sentiu seu coraçãozinho pulsar tanto, lhe deixando um tanto ofegante, e muito, muito ruborizada.
A professora logo passou a tarefa, que era escrever a letra “a”. Assim passaram a escrever a letra por diversas vezes em seus cadernos de caligrafia. Nossa menina fazia tudo com muito esmero, tentando caprichar ao máximo para que seu predileto visse o quanto ela era inteligente e caprichosa. No entanto, por mais que ela se esforçasse, sua letra não lhe saia a contento; e pior, a letra do seu predileto, parecia perfeita. Gostou de ver que ele escrevia tão bem; e achou, por um momento, que seu predileto era o garotinho mais inteligente do mundo. Foi meio sem querer que ela deixou escapar seus pensamentos e falou isso a ele, dizendo que não conseguia escrever tão bonito quanto ele.
Assim que notou o que havia dito, a menina corou mais ainda – como se isso fosse possível – e olhou toda encabulada para o rapazinho que estava a sua frente. Viu que ele também ficou ruborizado, mas que agradeceu assim mesmo àquele elogio. Neste momento, a menina lhe abriu o seu sorriso mais sincero e puro – como se sorrisse com o próprio coração – e para seu jubilo, o rapazinho, seu predileto, lhe sorriu de volta com a mesma doçura e sinceridade; e ficaram se olhando, um dentro dos olhos do outro.
Para aquela menina de seis anos, estes três segundo em que trocaram seus olhares, foram os mais perfeitos e maravilhosos de todos que podia lembrar já ter vivido. Foram segundos mágicos, que ela levaria pelo resto de sua vida como a mais doce recordação de seu primeiro amor; de seu primeiro e doce amor.
Pena, ela não saber que um sentimento bem parecido com o que sentia, estava também a arder dentro do peito daquele rapazinho, que também mantinha uma paixão secreta por aquela bela garotinha no auge de seus seis anos de idade. E ele também (fiquem sabendo!) nunca mais esqueceu do elogio que aquela bela menininha que cativara tanto a seu coraçãozinho, lhe fizera; e daqueles três segundo mágicos do mais puro, sincero e doce amor que um ser humano pode sentir.
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