"Na Incoerência das Era".
Eram tempos difíceis aqueles; cansativos, cheios de desafios que antecediam uma importante mudança. Tudo acontecia a milhão, tudo urgia. Havia o trabalho, os estudos, o estágio. No entanto, também havia coisas boas: havia os amigos, as farras, e as garotas – principalmente as garotas.
Em seu trabalho, durante certos meses, o hotel recebia grupos de estagiários da faculdade de hotelaria – pois o hotel, era um hotel-escola. A faculdade recebia alunos de todo o estado, e inclusive de outras partes do país. Dentre estes, havia garotas esplêndidas, desde jovens tenras, até outras mais maduras, mulheres feitas: altas loiras sulinas, morenas calientes do nordeste, mestiças orientais, mineiras, paulistas, cariocas... (um regalo para os olhos!).
Talvez pela grande carga de trabalho que o ramo de hotelaria exigia, as horas de descontração, as festas, as farras, eram homéricas. E para aqueles jovens sonhadores (e também amantes, das belas mulheres), era fantástica a possibilidades de conhecer e ter contato com mulheres de diversas partes do país, descobrir como este lindo e imenso país, é cheio de diferenças.
Em meio a tudo isso, encontramos o personagem dessa nossa história, atolado até o pescoço com o trabalho, o estudo, o estágio. Entretanto, ele não perdia a oportunidade de participar das festas e farras. Era um pouco tímido, mas atencioso com as mulheres; entre perdas e ganhos, foras e conquistas, até que se dava relativamente bem com elas. E naqueles tempos, tinha que se desdobrar para dar conta de tudo: além das oito horas de trabalho, das três horas e meia de estágio, e mais quatro horas de curso noturno; ainda assim, mesmo com uma folga apenas por semana, achava tempo e espaço em sua vida para as farras. O fim-de-semana reservava as poucas horas livres a uma namoradinha local, e nos meios de semana, participava sempre das festas da turma do hotel, onde podia encontrar as lindas estagiárias.
E havia uma delas, que encantara a ele. Vamos chamar-lhe de Feliciana. Era uma bela morena, de pele quase azeitonada, lembrava muito as mulheres do médio-oriente. Nosso amigo, tratou logo de lhe dizer, ou simplesmente insinuar, de seu interesse e que havia se encantado por ela. Além de linda, ela também era de uma delicadeza e de uma personalidade de anjo. Ela ficou lisonjeada pelo interesse do rapaz; no entanto, tinha namorado em sua terra natal, e que por isso, e só por isso, não poderia deixar se envolver. O pobre rapaz ficou triste, mas compreendeu – apesar de não desistir, de ainda tentar persuadi-la do contrário.
Durante este tempo, ele já vinha se envolvido com outra estagiária, que chamaremos de Daciana. Seu interesse por ela vinha diminuindo, mas como, até então, Feliciana parecia ceder muito pouco em sua decisão, nosso amigo convidou Daciana para sair, mais a noite. Ela aceitou claro, parecia gostar muito do rapaz. Combinaram de ir a um bar-bilhar, que era muito freqüentado pela turma do hotel.
Mas algo havia mudado. No decorrer daquele mesmo dia, pouco antes de acabar seu expediente de trabalho, o rapaz foi visitado por Feliciana. Alegre como sempre, ela veio e lhe deu um carinhoso abraço, e um leve beijo em seu rosto.
– O que você vai fazer mais à noite? – ela perguntou, com uma voz muito doce.
– Bem, acho que vou no B* – ele falou o nome do bar-bilhar.
– Ah, que bom. Eu estava querendo sair à noite, e queria te ver – respondeu Feliciana, já insinuando suas novas intenções, e que havia mudado de idéia.
Ouvindo aquilo, o coração do rapaz bateu mais forte, e um lindo sorriso de júbilo tomou conta de sua boca.
– Claro! O que eu mais desejo é estar perto de ti – ele falou.
Feliciana corou muito, com o que o rapaz lhe disse. E ele achou lindo, todo aquele pudor de Feliciana.
Combinaram então de se encontrar no bar-bilhar a certa hora. O rapaz não compreendia o que havia feito Feliciana mudar de idéia em relação a ele, e ficou maravilhado com aquilo. Tanto, que nem se lembrou que havia marcado de encontrar com Daciana, no mesmo local.
Gelou ao constatar tal fato. Contudo, pensou que poderia se safar desta situação – claro, não sem conseqüências.
Lá chegando, a primeira que encontrou, foi Feliciana. O rapaz não pensou em mais nada, caminhou até ela, que lhe recebeu toda sorridente, lhe dando um beijo de canto de boca, e um delicioso e demorado abraço, na ponta dos pés. Ele mal pôde acreditar que tudo acontecia daquela forma. Era tudo perfeito demais, maravilhoso demais. A partir de então, se entregou ao delicioso clima em que se via envolvido. Parecia ser uma noite perfeita.
O casal jogava bilhar contra uma dupla qualquer. Nosso amigo tinha que ajudar Feliciana a dar suas tacadas; pois ela não sabia jogar muito bem, e sempre pedia o auxílio dele, talvez só para lhe provocar realmente, para que ele pudesse se achegar a ela, colar o corpo ao seu – e para ele isso era maravilhoso: seus corpos juntos, suas mãos sobre a dela, sentindo sua pele macia. A noite parecia caminhar para uma final feliz. Aquela altura, o rapaz nem se lembrava mais de Daciana (Quem é Daciana?), nem lembrava mais, que havia combinado de se encontrar com ela naquele local – esse foi seu erro.
Enquanto dava uma de suas tacadas, o rapaz nem percebeu que Daciana havia chegado. Feliciana apenas lhe observava jogar, não muito longe, e quando Daciana se aproximou, sem conhecimento de nada que acontecia, foi logo alisando o ombro do rapaz, e assim que ele se virou (talvez pensando ser Feliciana), ela lhe deu um fogoso beijo na boca.
Era o fim.
O rapaz perdeu o rumo. Olhava ora para Feliciana, ora para Daciana, gaguejando e não conseguindo dizer nada. Queria se desculpar com Feliciana, e queria se explicar a Daciana – não conseguiu uma coisa, e nem outra. Feliciana foi embora chorando; Daciana não aceitou as explicações dele, lhe chamando de calhorda, de desalmado.
E assim foi que terminou sua noite: em ruína.
Antes de sair, levando nas costas sua derrota, o rapaz viu Daciana aos beijos com outro. Sentiu pena dela, pois ela tinha razão em tudo: ele não passava de um calhorda desalmado.
Tentou falar com Feliciana no outro dia, sem obter sucesso; ela não queria nem vê-lo por perto. E nosso amigo compreendia a ela, para desespero seu. Por pura falta de tato, por pura imbecilidade, estragara tudo. E logo agora que parecia ter conquistado a simpatia de Feliciana; talvez até, algo mais. No entanto, Pôs tudo a perder. Por que não disse a Felicina sobre a outra com quem vinha saindo, talvez evitasse magoá-la; ou então, por que não falou a Daciana, sobre o que sentia por Feliciana, talvez ela até entendesse, e lhe deixasse livre.
Mas não, fizera tudo ao contrário.
E assim foi que passou, todo aquele terrível dia de trabalho. Antes de o rapaz correr para o estágio, um amigo lhe falou que a turma havia combinado um luau com fogueira, violão, vinho... e que se ele quisesse ir, era só lhe dar um alô, ou aparecer, em um outro bar no Jaguaribe, onde todos se reuniam para o esquenta das noites.
Terminado o período do curso que fazia, nosso amigo resolveu ir até o bar encontrar com a galera. Chegou no exato momento em que saiam, e conseguiu uma carona em um dos carros. Não tardou muito e todos já estavam num local perto do Pico do Itapeva, um importante ponto turístico da cidade. Neste local, havia um casebre abandonado, onde havia uma clareira perdida entre o nada; e foi ali que fizeram a fogueira.
Era uma noite linda, estrelada, e fria – extremamente fria. Por um segundo, o rapaz pensou como seria esplendido, se estivesse ali com Feliciana, seria perfeito. Alguns amigos mais próximos, sabendo do que havia acontecido a ele, tentavam lhe animar. E eram muitos os que ali estavam, várias rodas foram se formando. Alguns ficaram em torno dos carros, com o som ligado, dançando, bebendo, rindo; outros, em torno da fogueira, ouvindo violão, cantando, bebendo, rindo.
O rapaz foi se animando aos poucos, dançou com as belas amigas estagiárias, cantou, bebeu, riu bastante. No violão, rolava sons do Led Zeppelin, Deep Purple, Eric Clapton, Beatles, Raimundos, Capital Inicial, Titãs, Legião Urbana, e (claro!) Raul Seixas.
Quando o violão chegou na mão de nosso amigo, algumas amigas estagiárias lhe pediram que tocasse uma música da Marisa Monte, pois ele já havia dito a elas que sabia tocá-la.
Bem, e não havia como negar um pedido de amigas tão doces e lindas como elas. E assim ele tocou e cantou, acompanhado das belas garotas e de muitos outros, pois esta música era um grande sucesso naquela época:
“Deixa eu dizer que te amo
Deixa eu gostar de você
Isso me acalma, me acolhe alma
Isso me ajuda a viver
Hoje contei pras paredes
Coisas do meu coração
Passeei no tempo, caminhei nas horas
Mais do que passo a paixão
É um espelho sem razão
Quer amor fique aqui...”.
Foi gratificante de se ver aquela alegria, aquela confraternização – o que ajudou o rapaz a extravasar suas decepções, e a se livrar delas, definitivamente. Tanto que, o melhor de tudo que ficou, foram as coisas boas, as lembranças, as saudades. Até as dificuldades e tormentos, também trazem certas lembranças satisfatórias, pois, depois de superado estes desafios e dificuldades, fica uma leve e agradável sensação de vitória, de superação; e isso dignifica ao ser.
“E viva La Nuova Gioventú”.