"Na Incoerência das Eras".
uma coisa positiva e erguida, com colunas,
majestade e aquiescência espiritual”.
F. Pessoa
Era um dos últimos dias do ano. Ele havia saído tarde do trabalho, do estafante trabalho. Já se passava das onze, o dia 30 já se aproximava: o penúltimo dia do ano – ano que estava preste a morrer.
Rumou direto para o bar de costume. Ao chegar, encontrou diversos conhecidos, amigos e colegas; inclusive, muitos que trabalhavam junto a ele, na empresa. Vários já estavam alegres, alterados pelo álcool, ou algo mais; pareciam já festejar o ano novo. Mas nosso amigo não estava no mesmo espírito – nada que umas garrafas de cervejas e umas doses de vodka não pudessem resolver. E foi com este intuito que o rapaz rumou até o balcão do bar, cumprimentou o barman – velho conhecido – e lhe pediu uma espremidinha (dose de vodka servida com limão espremido). Ficou bebericando com calma. Logo avistou algumas garotas que trabalhavam com ele, sentadas em uma mesa. Acenaram para o rapaz, que mal deu atenção. Havia umas bem gostosas entre elas – e que ele sempre cortejou – mas já estava cheio delas fazerem “cu doce”, por isso nem ligou. Queria mesmo era embriagar-se, se livrar do incômodo que lhe dominava.
E por falar em incômodo, lá estava um bando de gente cantando em um karaokê, agredindo aos ouvidos de todos: “Que saco!”, ele pensou. Pensou e pediu outra espremidinha, pois a sua já havia acabado: precisava se embriagar, urgentemente.
Bem, e depois de quatro espremidinhas e vários copos de cerveja, ele conseguiu. Ficou tão alterado que não demorou nada em ir também cantar ao karaokê – incomodando aos que chegavam, ainda caretas – ou em juntar-se a outros amigos bêbados em meio ao tumulto, gritando e agitando seus copos, derrubando cerveja em todos. Logo estava junto às garotas de seu trabalho. Arrastou uma feinha – só para tirar um sarro – para o meio da pista, onde dançaram ao som da música que tocava. Não satisfeito, voltou a mesa e tanto insistiu que trouxe uma das gostosas para a pista, para dançar. Não demorou e todas as garotas da mesa levantaram e foram dançar também. A embriaguez deixava rapaz muito mais extrovertido, dançou animado em torna da gostosa, segurando em sua cintura, alisando seu corpo macio e quente falando bobeiras em seus ouvidos. E assim fez com quase todas as garotas da roda – inclusive a feinha – nem ligando para os foras e podadas que levava. O rapaz apenas ria; ria e se divertia muito, alisando e se aproveitando das garotas cheirosas, que dançavam com ele.
Algumas horas se passaram, as garotas começaram a ir embora, mas o que não passava era a embriaguez de nosso amigo. O calor dentro do bar era grande, ele não parava de tomar cerveja. Um de seus amigos também queria ir embora – ele não. Entretanto, o bar começava a se esvaziar e seu amigo argumentou isso a ele, que constatou que era verdade. Como ele estava a pé, ponderou que não poderia desperdiçar a carona do amigo, e decidiu ir embora com ele.
Na saída, antes de irem, nosso aventureiro noturno notou a moto de um outro amigo do trabalho, parada no estacionamento do bar. Amarrada na garupa da moto, estava uma cesta de natal, que a empresa dava a todos os funcionários no final de cada ano. Propôs a seu amigo – que também trabalha com eles na empresa, e se chamava Jaime – de pegarem a cesta de natal do outro, e levá-la, só para sacanear e dar um susto nele; no outro dia devolveriam. O Jaime gostou da idéia, e desta forma, pegaram a cesta e colocaram no porta-malas do carro.
Rumavam para casa – os dois embriagados – e em meio ao caminho, viram que o bar, que uma grande amiga deles era dona, ainda estava aberto. Decidiram parar, e foram recebidos calorosamente pela dona. Muniram-se de uma garrafa de cerveja e foram até uma mesa onde um doido que conheciam estava sentado. Cumprimentaram a ele e foram logo enchendo os copos de cerveja. Conversaram sobre todo tipo de bobeiras, sacanagens, as pichações que haviam nas paredes do bar. Em uma outra mesa, havia um grupo de quatro garotas, jovens e muito sorridentes, e que também tomavam cerveja. Cantavam alegremente. Nosso amigo – e herói da noite – começou a prestar atenção a elas.
E adivinha se não foi falar com elas?
Primeiro cantou, de onde estava, a mesma musica que as garotas cantavam, acompanhando a elas, e foi se aproximando usando a música como pretexto. Disse a elas um monte de papo furado e as convidou para que se sentassem com os amigos. Disseram que não, que já estavam indo embora; e o rapaz argumentou que eles também já estavam de saída e que elas poderiam esperar que terminassem suas cervejas que lhes dariam um carona. As garotas – sempre sorrindo – concordaram; tomaram ainda mais algumas cervejas junto aos rapazes, e depois foram embora todos juntos.
Iam apertados no carro: seu amigo Jaime dirigindo, duas garotas na frente no banco do passageiro; e atrás, ia o doidão num canto, uma garota no colo de outra no meio, e (claro!) nosso amigo deixou que uma garotinha fosse sentada em seu colo. Estava tudo muito divertido, mas nosso herói não estava satisfeito em ter que ir para casa. A madrugada já ia longe, e o rapaz queria que aquela noite não tivesse mais fim. Foi então que ele lembrou-se da cesta de natal do outro amigo, que estava no porta-mala, e propôs a todos de irem até o belvedere que havia na serra, para tomarem o vinho e a garrafa de champanha – sidra na verdade – e também se quisessem, havia coisas de comer, na cesta. O Jaime, não gostou muito da idéia; tinha que ir trabalhar dali a algumas horas. Contudo, as garotas gostaram, e com seus doces e lindos sorrisos acabaram convencendo a ele. O doidão também não fez objeções.
E foi assim que mudaram o trajeto e foram até o belvedere. A escuridão era total quando chegaram. O som que saia do rádio do carro, quebrou o silêncio que antes imperava. Saltaram do carro e foram direto ao porta-mala destripar a cesta de natal do outro pobre amigo, que não fazia nem idéia daquilo. O champanha estourou, o vinho foi desarrolhado, e passaram a beber no gargalo das garrafas. A conversa ia longe, umas das garotas dançavam, todos riam muito; sentiam-se livres, alegres, e vivos – principalmente vivos. Sem mais nem menos, o doidão começou a tirar a roupa. As garotas riram muito daquilo, não dava para ver grande coisa, mas deu para perceber que o doidão ficou apenas de cueca. Não houve quem não se divertisse com ele. Uma das garotas também se sentiu desinibida e tirou a blusinha que vestia, deixando seus seios ocultos apenas pela lingerie. Assim, o nosso amigo, que estava dançando junta a uma das garotas – uma mulatinha linda de dentes extremante brancos – também foi na onda, e retirou sua camiseta. Disse a mulata que retirasse também sua camisa. Ela não quis, ficou envergonhada; mas, com o vinho, o álcool, a insistência, por fim, acabou tirando – o que foi lindo de se ver, pois naquela penumbra, dava para se ver bem o contraste da lingerie branquinha com sua pele extremamente morena. E delicioso foi, depois, dançar abraçado a ela, sentindo a maciez de sua pele, sentir seus seios pressionados ao tórax; nosso amigo estava feliz com aquilo.
E não é que a “morenaça” quis provocar a ele. Fez com que o rapaz se afastasse, empurrando-o e dizendo que ele estava se aproveitando dela. O rapaz tentou se reaproximar, dizendo ter as melhores intenções “possíveis”, quanto a ela. A morenaça sorriu demonstrando seus dentes brancos que pareciam brilhar na escuridão. Nosso amigo percebeu então que ela estava a brincar, e resolveu entrar no jogo dela; deu-lhe um empurrão também; e ela tornou a lhe empurrar. Ele agarrou a ela e lhe deu um beijo; e ela então lhe deu um leve tapa no rosto; ele voltou a lhe dar outro beijo; e ela, novo tapa – a cada beijo um tapa, a cada tapa um beijo. Era assim que eles se divertiam, sem ligar muito para os outros, que haviam tirado quase toda a roupa ficando apenas com as roupas íntimas. Quando perceberam este fato, eles dois também tiraram suas calças ficando como os outros.
O rapaz começou a perseguir a bela mulata, e a lhe agarrar. A morenaça soltava gritinhos e ria-se de tudo; até que em um momento de distração o rapaz conseguiu roubar-lhe outro beijo. A garota grudou então em seu pescoço, dando-lhe uma gravata, como que querendo lhe dominar. Ele não se fez de besta, dobrou o corpo para trás, e como era mais forte que ela, a segurou pelas pernas e pelas costas, levantando ela do chão. Dessa forma levou a ela para fora do pátio asfaltado – que havia no tal belvedere – e se deitaram em um gramadinho que havia no entorno. Ali, terminou de despir a morenaça e a si mesmo.
O rapaz mal podia contar com os olhos, via apenas os contornos daquele corpo que lhe pareceu apetitoso; tratou de abocanhar aos seios da mulata – que soltou um suspiro manhoso – e a explorar seu corpo, com as mãos.
E a nova brincadeira continuou por um bom tempo.
Esvaziada as garrafas e devorada toda cesta de natal, aqueles aventureiros noturnos começaram a caçar suas peças de roupas para irem embora. Não encontraram todas, devido a escuridão. Uns voltaram sem meias, sem camisa, sem cueca, sem lingerie.
Quando já estavam todos de volta no carro, e voltando para a cidade, iam quase que calados. A farra tinha sido boa, estavam felizes e tranqüilos. O nosso herói da noite, ia semiconsciente, cochilando. No seu colo, com a cabeça apoiada em seu ombro ia a morenaça, dormindo com um discreto sorriso nos lábios. Vez por outra o rapaz abria os olhos para admirar ela dormindo. Ia com o braço sustentando sua cabeça, em volta do pescoço e com a mão dentro de seu decote.
Por um momento, o rapaz recordou-se das peças de sua roupa que não encontrou e que deixara para trás, na escuridão. Sorriu sozinho com toda aquela aventura: mais uma noite ia embora. Deixara coisa sem importância para trás – um ano todo, estava fincando para trás.