"Na incoerência das Eras".
“Os fados guiam àquele que assim o deseja;
Aquele que não o deseja, eles arrastam”.
Provérbio romano
Um dia qualquer de 2006.
Estava ele no bar de sempre, tomando sua cerveja de sempre, sua dose de sempre de aguardente – e já estava embriagado, como sempre. Conversava descontraído e alegre com os amigos de costume; falavam sobre o dia, sobre política, futebol, física quântica, o dinheiro curto, a vida curta, sobre os problemas de cada um, sobre a dor de dente, a dor de estômago, a dor de consciência; falavam. Falavam sobre o tempo, sobre a falta de trabalho, sobre a falta de dinheiro (pois sim, repetiam muito os assuntos), sobre drogas, sobre música, sobre a cerveja geladíssima, sobre o sabor da pinga, se seria de alambique, tonel de carvalho; falavam sobre carros, sobre consertos de carros, sobre algodões e pilotos automáticos, sobre rubinhos e ronaldinhos, copa do mundo; sobre Rio de Janeiros, Minas Gerais, praias paulistas, sobre batatas e ervas, sobre bandas de rock; e também, sobre mulheres.
E por falar em mulheres, era realmente sobre isso que eu queria falar; pois naquela noite, dentre tantos assuntos, sobre as mulheres era o assunto que mais interessava a todos eles. Não que entre eles não havia mulheres, sim havia; mas não estou me referindo a estas. Estou sim, me referindo a um rapaz em especial, estranho em especial, e naquela noite, bêbado em especial. Bem, em certa altura ele havia reparado numa bela morena, sentada em uma mesa mais ao fundo do bar. Gostou muito do que viu, era uma bela morena, de cabelos longos, lisos e negros; belos lábios, belas curvas... Ficou notando a ela, mas logo viu que ela estava acompanhada, pois estava cheia de intimidade com um carinha do tipo moderninho, roupinha da moda, cavanhaque invocado. Até ai tudo bem, o que pegou mesmo foi o fato daquela morena começar a corresponder aos olhares de nosso amigo. A princípio, ele achou que ela estava apenas lhe estudando, observando àquele estranho rapaz embriagado – pois era assim, que ele deveria estar aparentando.
Em meio a conversas, cervejas, cachacinhas e risadas, o rapaz sempre voltava seus olhos para a bela morena, e por incrível que pareça, por diversas vezes ela também lhe observava. Dessa forma o rapaz começou a achar estranho. “Que descarada!”, ele pensou; mesmo acompanhada ela parecia estar lhe dando mole. Ficou invocado. A garota não parava de olhar para ele, depois, voltava-se para o namorado, alisava seu rosto, abraçava-se a ele. Tal situação começou a incomodar. Ele nada comentou com seus amigos, talvez por se sentir constrangido com aquilo, talvez por não querer entrar no joguinho daquela linda morena. Os minutos iam se passando, e por mais que nosso amigo tentasse evitar, seus olhos não tardavam em voltar, a fitar, a bela morena. Revoltava-se com a rebeldia de seus olhos. E lá estava ela, que olhava meio de lado, com um sorriso sacana na boca; a irritação do rapaz era crescente.
Já a cara-de-pau da morena parecia não ter limites, pois em certa altura, ela e o namorado levantaram-se de sua mesa e rumaram para a saída do bar. Parecia que estavam indo embora: o rapaz ia à frente, segurando na mão da bela morena, que seguia logo atrás. Entretanto, assim que passara diante da mesa onde estava nosso protagonista, com seus amigos, a linda e sacana morena, não teve pudor algum em sorrir a nosso amigo. Ela saia de mãos dadas com o namorado, que ia à frente, e assim que passaram diante dele, ela lhe direcionou aqueles olhos elétricos e lhe sorriu com sensualidade. O rapaz não pode sustentar aquele olhar, desviou seus olhos, com irritação.
O resto da noite foi insossa; já não havia mais a bela presença da morena, já não havia mais sua cara-de-pau. O rapaz, aquela altura, voltava a constatar algo, que já lhe martelava há tempos na cabeça: só se metia em presepadas; em questão de relacionamentos, era raro ele se dar bem.
Teve isso comprovado dias depois, quando encontrou com um certo amigo, que também, era amigo do namorado da bela e sacana morena daquela noite. Como quem não queria nada começou a perguntar quem era aquele (o namorado), e sobre uma morena que viu com ele, certa noite. Seu amigo perguntou como era tal morena, ao que nosso protagonista deste relato, deu-lhe toda descrição da garota, detalhadamente assim como ficara gravado em suas recordações. De imediato, o amigo soube de quem se tratava, e – para total frustração – disse a ele que a morena era irmã do dito rapaz (o namorado).
A indignação que tomou conta de nosso protagonista, foi total. Sentiu-se mais idiota ainda, sentiu-se um total fracassado.
Como ele pode errar tanto em sua conclusão dos fatos?
Era um idiota mesmo.
E mestre Virgílio já alertava há tempos:
“A fortuna favorece os que ousam”.